Desperte o Herói em Você: Reinventando sua Jornada como Pai
- Danielle Bevilaqua
- 10 de ago.
- 6 min de leitura
Atualizado: 13 de ago.
Sempre que o Dia dos Pais se aproxima, eu fico com aquele sentimento meio engasgado na garganta. Não é que eu não considere importante celebrar, mas essa data me faz pensar numa questão bem profunda – e meio dolorida também. Quantos homens por aí estão tentando construir uma paternidade que eles nunca tiveram como referência?

Hoje quero conversar com vocês sobre uma das experiências mais transformadoras que um homem pode viver: ser o pai que ele gostaria de ter tido. E olha, não é conversa de autoajuda não, viu? É sobre um processo psíquico profundo que mexe com as estruturas mais básicas da nossa subjetividade.
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Vamos começar pelo começo, que nem sempre é fácil de digerir. A paternidade ausente – física ou psicologicamente fraca – deixa marcas que vão muito além da saudade. É como se fosse um buraco na alma, sabe? Não é dramatização, é neurociência mesmo.
Quando um pai não se faz presente de verdade, a criança vai crescendo com uma falta estrutural que afeta desde a autoestima até a forma como ela vai se relacionar com o mundo. A psicanálise já mostrou que essas primeiras relações são como um blueprint para a vida toda – e quando há peça faltando nesse projeto inicial, toda a estrutura fica comprometida.
A ausência paterna pode gerar conflitos no desenvolvimento psicológico e cognitivo da criança, influenciando o surgimento de distúrbios comportamentais, problemas de relacionamento e dificuldades de aprendizado. É como se a criança ficasse sem uma das referências mais importantes para compreender o mundo – especialmente o mundo das relações e da autoridade.

Agora, vamos entrar numa questão que me deixa particularmente inquieta: a construção da masculinidade. Existe uma pressão social que coloca os homens numa camisa de força emocional – o famoso dispositivo da eficácia.
Para ser “homem de verdade”, é preciso ser provedor, sexualmente ativo, forte, jamais demonstrar fragilidade… Enfim, uma lista de exigências que mais parece receita para neurose. E então, quando esse homem se torna pai, ele reproduz esse modelo – ou tenta, desesperadamente, fazer diferente, mas sem ter as ferramentas emocionais necessárias.
A masculinidade patriarcal impede os homens de criarem vínculos afetivos verdadeiros, inclusive com os próprios filhos. É um sistema que machuca todos os envolvidos – os homens, que ficam presos nessa performance tóxica, e as crianças, que crescem sem a presença emocional do pai.
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A psicanálise nos ensina sobre a síndrome normal da adolescência – um processo doloroso, mas necessário, onde o jovem precisa fazer alguns lutos para se tornar adulto. Um desses lutos é justamente a figura dos pais protetores da infância.
Imagine só: se o pai já não estava presente direito durante a infância, como o adolescente conseguirá fazer esse luto? Como você mata simbolicamente alguém que nunca nasceu para você? É uma operação psíquica quase impossível, que deixa marcas profundas na construção da identidade adulta.
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A psicanálise fala sobre a importância do ambiente facilitador para o desenvolvimento saudável. O pai tem um papel fundamental nesse processo – não apenas como provedor, mas como aquele que oferece sustentação à relação mãe–bebê e depois se apresenta como uma terceira pessoa, facilitando a separação e a individuação da criança.
Quando o pai está ausente ou psicologicamente fraco na sua jornada como pai, esse processo fica comprometido. A criança pode ficar presa numa relação simbiótica com a mãe ou desenvolver uma falsa autonomia, construindo defesas rígidas para dar conta da falta.

Mas olha, nem tudo são trevas nessa história. Há uma revolução acontecendo por aí, meio silenciosa, mas poderosa: a paternidade ativa. Não se trata apenas de trocar fraldas ou dar mamadeira – embora isso também seja importante. É sobre uma presença emocional real, uma disponibilidade para construir vínculos afetivos verdadeiros com os filhos.
A paternidade ativa significa que o homem se permite ser vulnerável, carinhoso, cuidador. Significa romper com aquele modelo de pai autoritário e distante para se tornar alguém que participa ativamente da vida emocional dos filhos.
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A filosofia existencialista já compreendeu que os papéis de gênero são construções sociais, não destino biológico. Ninguém nasce pai: torna-se pai. E essa construção pode ser consciente e transformadora.
Quando um homem decide ser o pai que gostaria de ter tido, ele está fazendo uma operação revolucionária: quebrando um ciclo intergeracional de ausência e frieza emocional. É como se ele dissesse: “Não, a história para aqui. Meus filhos terão outra experiência de paternidade.”

Agora vamos falar sobre uma questão que me deixa meio revoltada – mas no bom sentido, sabe? A luta por uma sociedade mais justa sempre incluiu a defesa da vida dos homens e das famílias. Isso me faz pensar: quantos pais ausentes não são também vítimas de um sistema que os impede de exercer plenamente sua paternidade?
Claro que não estou relativizando a irresponsabilidade, gente. Mas considere isto: há homens que trabalham 12, 14h por dia para sustentar a família e chegam em casa exaustos demais para brincar com os filhos. Há executivos que viajam três semanas por mês e, quando estão fisicamente presentes, mentalmente ainda estão no escritório. Há pais que foram criados na base do “homem não demonstra afeto” e simplesmente não sabem como se conectar emocionalmente com os filhos.
E assim fica aquela situação meio perversa: o cara quer ser um bom pai, mas não tem as ferramentas emocionais nem o tempo necessário para isso. O sistema capitalista que exige produtividade máxima, a pressão social para ser o provedor perfeito, a falta de licença-paternidade decente… Tudo isso conspira contra uma paternidade realmente presente.
A paternidade consciente é também um ato de resistência contra essa lógica que quer transformar os homens em máquinas de trabalho e as famílias em projetos de fim de semana. Quando um homem decide ser presente de verdade – mesmo que isso signifique abrir mão de algumas oportunidades profissionais ou enfrentar o julgamento dos outros –, ele está fazendo uma revolução silenciosa.

A psicanálise fala sobre a capacidade de reparação – essa possibilidade de consertar, simbolicamente, os danos causados pelos nossos impulsos destrutivos. Quando um homem decide ser o pai que gostaria de ter tido, ele está fazendo um trabalho reparatório não apenas com os próprios filhos, mas consigo mesmo.
É como se ele estivesse curando, através da paternidade ativa, aquele menino ferido que existe dentro dele. É uma operação psíquica linda e corajosa, que exige muita consciência e disposição para mudança.
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Obviamente que não é fácil. Romper com padrões intergeracionais de masculinidade tóxica é um trabalho árduo. É preciso lidar com a pressão social, com os próprios fantasmas internos, com a falta de referências positivas.
Muitas vezes, esses homens se sentem perdidos, sem saber exatamente como ser diferentes. É aí que entra a importância da psicoterapia, dos grupos de homens, das redes de apoio que possam sustentar essa transformação.

Então, permita-me fazer um convite aqui, especialmente para os homens que estão lendo: que tal começar a pensar na paternidade – seja ela presente ou futura – como uma oportunidade de cura e transformação?
Não precisa ser perfeito. Aliás, a perfeição é inimiga da conexão verdadeira. Precisa ser presente, disponível, vulnerável. Precisa permitir que seus filhos vejam que você também tem medos, dúvidas, fragilidades – e que isso não te torna menos homem, te torna mais humano.
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O que eu mais desejo é que possamos construir uma sociedade onde ser homem não signifique ser uma pedra. Onde a paternidade seja vista como uma experiência transformadora e enriquecedora, não como um fardo ou uma obrigação social.
Que os homens possam chorar com os filhos, brincar de boneca se necessário, falar sobre sentimentos sem medo de serem julgados. Que possam ser pais inteiros, não apenas provedores distantes.
A paternidade consciente é, no fundo, um ato de amor – amor pelos filhos, mas também por aquele menino ferido que cada homem carrega dentro de si. É uma chance de reescrever a história, de quebrar ciclos, de plantar sementes de uma masculinidade mais saudável para as próximas gerações.
E você, como está construindo (ou pretende construir) essa experiência? Que pai você gostaria de ter tido – e que pai você pode ser?
Psi Danielle Bevilaqua – CRP-SP 06/95478
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📚 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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