Molde Médico na Psicoterapia: Integrando Estabilização Rápida e Escuta Psicanalítica Humanizada
- Danielle Bevilaqua
- 27 de abr.
- 3 min de leitura
Como psicanalista e psicóloga com mais de duas décadas de experiência na atuação em saúde mental, convido você a refletir comigo sobre o molde médico na psicoterapia — uma abordagem que, embora extremamente útil em momentos de crise, pode, ao mesmo tempo, limitar a riqueza da experiência humana.

A urgência da estabilização versus a escuta da singularidade
Em situações de sofrimento intenso, risco à vida ou desregulação profunda, o modelo médico oferece protocolos claros: diagnóstico, intervenção rápida, metas objetivas de redução de sintomas. Essa objetividade salva vidas e estabiliza estados emocionais agudos. No entanto, quando esse mesmo molde passa a ser regra geral, corremos o risco de tratar o ser humano como um “conjunto de sintomas” a ser “consertado”, em vez de um sujeito portador de histórias, desejos e fantasias.
A cura psíquica não se esgota na remissão de sintomas; ela floresce na descoberta de sentido.

O que se perde quando focamos apenas no sintoma
Ao privilegiar a categorização diagnóstica (como depressão, transtorno de ansiedade, transtorno de personalidade), a psicoterapia tende a se aproximar de um checklist de procedimentos. É um recurso valioso, sem dúvida, mas insuficiente para abarcar:
A subjetividade: aquilo que o paciente vive de forma única e que não cabe em um critério padronizado.
A história de vida: o entrelaçamento de memórias, traumas e defesas que moldam a singularidade de cada sujeito.
O sentido do sofrimento: a dimensão simbólica que torna cada sintoma um chamado para compreender desejos inconscientes.

A psicanálise como contraponto acolhedor
Na psicanálise, entendemos o sofrimento como linguagem. O sintoma fala — e, ao acolhê-lo em sua complexidade, damos voz ao inconsciente. Isso não significa desprezar a estabilização imediata; significa, sim, integrá-la a um processo terapêutico que valorize a escuta profunda.
Relação terapêutica como espaço seguro: aqui, o vínculo não é apenas um suporte, mas um motor de transformação.
Livre associação e análise de transferências: técnicas que convidam o paciente a percorrer seu próprio mapa interno, para além de protocolos rígidos.
Tempo aberto à subjetividade: a terapia não se mede apenas em semanas, mas em descobertas — de si mesmo e de seus desejos.

Equilíbrio entre técnica e humanidade
A psicoterapia eficaz, na minha experiência, é aquela que articula:
O manejo clínico dos sintomas (quando necessário), garantindo segurança e alívio rápido;
A escuta fenomenológica, que acolhe o presente vivido do paciente;
A abordagem centrada na pessoa, que reconhece o protagonismo do sujeito em sua própria cura.
“Em cada sintoma, um convite à descoberta; em cada palavra, a possibilidade de cura.” — Danielle Bevilaqua, psicanalista e psicóloga com mais de duas décadas de experiência.
Conclusão: humanizar para transformar
Convido você, leitor(a), a questionar: até que ponto nossos protocolos terapêuticos respeitam a profundidade da psique? O desafio é integrar a objetividade do molde médico com a riqueza da escuta psicanalítica, fenomenológica e humanista. Só assim podemos promover não apenas a remissão de sintomas, mas o florescimento de um sujeito pleno, capaz de encontrar significado em sua história e em seu caminho de vida.
📚 Leitura Recomendada
Título: A Clínica Psicanalítica e Seus Fundamentos
Autora: Vera Iaconelli
Por que ler: Este livro discute com profundidade a clínica psicanalítica contemporânea, criticando práticas psicologizantes e medicalizantes que ignoram a singularidade do sujeito. Vera traz uma reflexão lúcida sobre o risco da psicologia se tornar prescritiva ao se afastar da escuta do sofrimento simbólico.
Título: Psicologia Clínica: o sujeito em questão
Organizadora: Ana Bock (et al.)
Por que ler: Um clássico da psicologia crítica brasileira, este livro propõe uma atuação clínica que não reduz o sofrimento humano a diagnósticos. Valoriza a escuta, a história e o contexto como fundamentais na construção de um cuidado ético e transformador.
🌐 Referência Externa (Links)
Por que acessar: O Instituto Sedes é referência nacional na formação em psicoterapia psicanalítica e em abordagens clínicas humanizadas, oferecendo cursos e publicações que discutem criticamente o modelo biomédico e a importância da escuta subjetiva. Possui revista eletrônica com artigos sobre as dimensões ética e política da psicanálise convocam a transmissão de um pensar acerca do coletivo
Por que acessar: A revista publica textos científicos e ensaísticos que abordam o entrelaçamento entre psicologia clínica, subjetividade, escuta e crítica à medicalização. É um ótimo repositório de artigos para quem busca embasamento teórico profundo.
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